Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

O violão que silenciou depois da tempestade

1 de dezembro de 2023
Compartilhe nas Redes Sociais

Mudanças climáticas começam a ser preocupação para o setor de eventos

Na primeira quinta-feira deste mês de novembro de 2023, recebi uma mensagem de um amigo, dos tempos da faculdade, que no passado me ensinou alguns acordes de violão. Músico profissional, ganhava a vida tocando em bares pela cidade de São Paulo, interpretando sucessos da MPB com a ajuda do companheiro de cordas de aço, depois que perdeu oportunidades nas agências de publicidade, que passaram a recorrer à Inteligência Artificial para compor os jingles que enfeitam as campanhas publicitárias.

Ele me convidou para conhecer um novo espaço de música, que iria contratar seus shows em novembro e dezembro, aproveitando o movimento do fim de ano. Estava bem animado por encontrar trabalho fixo nessa casa de eventos por dois meses. Sua esposa está grávida, e pelas previsões, o bebê nascerá no fim de dezembro, um presente de natal para a família, revelou meu amigo. Nos despedimos e confirmei que iria prestigiar sua noite de estreia, no sábado, dia 4 de novembro.

Entretanto, no dia seguinte, depois de uma intensa onda de calor em quase todas as regiões do país, com um mês de outubro registrando as maiores temperaturas da história, a cidade de São Paulo foi surpreendida por uma forte chuva, com ventos acima de 100km/h, fenômeno classificado como furacão nível um. Nenhuma autoridade previu tamanha destruição, mais de 500 árvores caídas por ruas, avenidas, carros e construções. Pessoas mortas, feridas, traumas psicológicos e prejuízos financeiros. Muitos bairros da região metropolitana ficaram sem água e energia elétrica por quase uma semana, após esse brutal acontecimento da natureza.

Infelizmente, meu amigo músico não vai conseguir trabalhar na casa de eventos que o contratou, uma árvore gigante caiu perto do local e destruiu parte da estrutura do espaço, interditando a rua e deixando o bairro inteiro sem energia elétrica e sem previsão de retomada das atividades normais.

Um ano de recordes preocupantes

O ano de 2023 foi marcado por volatilidades climáticas e sucessivas quebras de recordes assustadores, como o verão mais quente do Hemisfério Norte, temperaturas mais elevadas na superfície do oceano, um número maior de desastres ambientais e de refugiados climáticos. Aqui pelos trópicos, o Brasil experimentou eventos extremos, evidenciando para todos (exceção para os que ainda seguem negando) os efeitos das mudanças climáticas nas atividades econômicas.

Neste ano, vários eventos foram cancelados ou adaptados por causa das imprevisibilidades climáticas. Ondas de calor no Rio de Janeiro chegaram ao ponto de obrigar a cantora Taylor Swift a adiar um de seus shows, depois que uma tragédia aconteceu em sua primeira apresentação. Os fãs que compraram ingressos para o segundo dia da turnê, não gostaram da notícia, muitos não tiveram condições de permanecer na cidade, perderam dinheiro e voltaram desolados para suas cidades.  

O Rio Grande do Sul foi sacudido pelo clima, uma parte pela seca, que vem trazendo preocupação ao campo, mas principalmente por ciclones, ritmados por ventos acima de 140 km/h, com chuvas que chegaram a 500mm, deixando centenas de pessoas mortas, milhares feridas, desabrigadas, desalojadas e sem perspectiva, depois de perderem casas, pertences, parentes e perspectiva de futuro. Estas regiões tinham importantes eventos em seus calendários, mas infelizmente não tiveram condições de realizar este ano.

Em Blumenau, fortes chuvas impediram a Oktoberfest acontecer na data prevista. Já no município de Laguna, os banhistas curtiam o mar no dia 11 de novembro, quando inesperadamente presenciaram um tsunami meteorológico, com ondas acima de quatro metros de altura, suficiente para matar algumas pessoas e deixar centenas de feridos, além dos estragos materiais em automóveis e imóveis próximos à orla.

Na região Norte do país, uma estiagem severa, que durou por seis meses, tirou os rios da paisagem amazônica, impedindo o acesso de milhares de pessoas e empresas que usam esses cursos d´água como meio de transporte e escoamento de produção, sem falar da morte de milhares de animais e peixes. As empresas da Zona Franca de Manaus deram férias coletivas para milhares de funcionários, comprometendo a produção para atender pedidos de fim de ano.

Falta discurso e prática

Esses acontecimentos escancaram a necessidade de um planejamento preventivo e sistêmico para enfrentamento das adversidades climáticas. Por incrível que pareça, nenhum desses exemplos acima contou com um alerta assertivo dos órgãos responsáveis, o que poderia ter sido útil para evitar fatalidades como as ocorridas.

Se somarmos os prejuízos por setor, somente para ficar mais próximo do exemplo do meu amigo músico, centenas de eventos e negócios deixaram de ser realizados no Brasil por conta desses imprevistos da natureza. Quantas pessoas deixaram de trabalhar ou perderam bens materiais por causa das tragédias ambientais?

Lidar com qualquer negócio daqui para frente vai demandar mais atenção, estratégia e amadurecimento para lidar melhor com as imprevisibilidades do clima. A exemplo da concessionária de energia de São Paulo, ou da empresa responsável pelos shows da artista americana no Brasil, não cabe mais as organizações se esconderem atrás de seu tamanho, tentando se justificar, dissimulando e insinuando que o problema do planeta não tem a ver com seu negócio. Esses tomadores de decisão não são pessoas iletradas, são bem formados, geralmente com experiências no exterior, falam mais de uma língua e já viram, de um modo ou de outro, que organizações empresariais e países já estão pagando o pato, e o resto da fauna, por negligenciarem os fenômenos da natureza em razão dos lucros.

Autoridades públicas também precisam tomar um banho de loja, no que diz respeito aos conceitos e práticas dos objetivos do Desenvolvimento Sustentável, da ONU. Estamos na década da ação para a implementação desses objetivos nas cidades. É preciso mudar a forma obtusa de enxergar estratégias para os centros urbanos. A estratégia de comunicação e diálogo precisa mudar, não há mais espaço para cobrir o sol com a peneira. Depois de ver tudo o que aconteceu, o Procon anunciou a intenção de criar um colegiado especial para debater impactos das mudanças climáticas na relação do consumidor com as empresas.

Em tempo, ano que vem tem uma previsão preocupante para a região Nordeste, que poderá experimentar a pior seca de todos os tempos.

Meu amigo músico resolveu pegar o carro do sogro emprestado para trabalhar de Uber até as coisas melhorarem para seu lado musical.

Marcio Freitas é jornalista, relações públicas, escritor e consultor de comunicação

Assine a nossa Newsletter:

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!
Criação de sites: Conectado
linkedin facebook pinterest youtube rss twitter instagram facebook-blank rss-blank linkedin-blank pinterest youtube twitter instagram