*Por Paulo Teixeira
Até hoje, o desenvolvimento global se deu por meio da economia linear, modelo baseado na extração, produção, consumo e descarte que ocasionou ao menos três grandes problemas: escassez de recursos, excesso de descartes e impacto ambiental. Como alternativa a esse modelo, a economia circular é um sistema de produção e consumo baseado na lógica da própria natureza, aperfeiçoando o uso dos recursos por meio do redesign, da reutilização e da reciclagem, de modo a mantê-los no ciclo produtivo.
Os benefícios são inúmeros: redução da pressão sobre o meio ambiente; diminuição da extração de matérias-primas; aumento da competitividade, via otimização de recursos e, sobretudo, pela maior geração de valor; incentivo à inovação; geração de empregos; estímulo ao crescimento econômico. Os consumidores também saem ganhando com produtos mais sustentáveis e duráveis. Assim, além das vantagens econômicas, proporciona ganhos sociais e ambientais.
Com o objetivo de estimular a transição para a economia circular, a União Europeia lançou em 2019 o Pacto Verde Europeu, também conhecido como “Green Deal”. Trata-se de um conjunto de normas para todos os setores da economia visando transformar a Europa no primeiro continente climaticamente neutro até 2050. A China também trabalha para implementar a economia circular, que foi incluída em seu plano de governo.
A economia circular, como novo paradigma de desenvolvimento da sociedade, incluindo assim o sistema econômico, vem ganhando ainda mais força a partir da aceleração das alterações climáticas, da crise econômica global pós-pandemia, e tem sido reforçada pelo avanço das agendas dos ODS, ESG e da “descarbonização” da economia. Temas muito discutidos durante a 26ª Conferência das Partes (COP) em 2021 e se tornaram essenciais nas agendas públicas e privadas.
Essa trajetória mostra como a economia circular vem ganhando espaço no mundo, razão pela qual é importantíssimo dotá-la de um arcabouço jurídico-institucional no Brasil, que por sua vez, possui o segundo maior potencial de bioeconomia do mundo e o modelo circular pode trazer grandes perspectivas para a nossa indústria. Nesse sentido, é válido ressaltar dois projetos de lei sobre o assunto que tramitam atualmente no Senado: o PL nº 2524/2022 e o PL nº 1874/2022. Além disso, a Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas de vários estados têm projetos de lei sobre o tema.
O PL nº 2524/2022 confunde economia circular com banimento de produtos plásticos, direcionando o objeto da lei apenas a um único material. A economia circular implica em uma mudança sistêmica, portanto exige uma abordagem macro, envolvendo todos os setores da indústria. Enquanto que o PL nº 1874/2022 traz disposições importantes, como a gestão estratégica dos recursos, a promoção de novos modelos de negócio, os investimentos em atividades de pesquisa e inovação e o apoio à transição para o uso de tecnologias de baixo carbono por meio da criação de condições atrativas para investimento público e privado, entre outros aspectos.
É nessa diferença, portanto, que é preciso atenção. Intenções restritivas e de banimento, o olhar direcionado para apenas um material ou produto, não condizem com o conceito e a lógica da economia circular, um modelo pensado para reestruturar o modus operandi de produção, consumo e descarte . Há valor em políticas públicas que contemplam, então, essa visão integrada do modelo circular da economia, permitindo um arcabouço orientativo e de mobilização, fornecendo instrumentos sistêmicos para uma mudança real.
Encarar o desafio por meio da inovação de produtos e processos, levando em conta novos materiais, funcionalidades, (re)uso e reciclabilidade são alguns dos caminhos possíveis, diferente do ideal punitivista que, em estudos como da ONU Meio Ambiente e McKinsey, já foi contestado, por muitas vezes não possibilitar o resultado esperado. Com o olhar voltado somente para o produto, é preciso avaliar outras metodologias como as Avaliações de Ciclo de Vida, que permitem identificar o trade off de substituições.
Várias possibilidades podem ser exploradas pelo setor industrial com novos modelos de negócio, design, recuperação de materiais, além de abrir possibilidades para incrementar ainda mais uma economia já estruturada em torno da reciclagem. Esse potencial existe em vários segmentos: no eletroeletrônico, com a recuperação dos materiais e novos serviços; na construção civil, com a redução da quantidade de resíduos gerados e edificações mais ambientalmente eficazes; no têxtil, com novos materiais e cadeias circulares de valor. O setor do plástico, presente em toda a cadeia da indústria, oferece potenciais possibilidades para que o material seja reutilizado e recuperado, se adaptdo a muito bem à economia circular. Além disso, é possível o desenvolvimento de novos materiais e de estruturas mais facilmente recicláveis.
Dessa forma, os conceitos e a essência da economia circular precisam estar sintonizados e inseridos também na Política Nacional de Resíduos Sólidos, incluindo metas de redesign, reuso e reinserção dos materiais na cadeia produtiva, contemplando conceitos da economia 4.0, permitindo a discussão sobre maturidade digital para cooperativas de catadores e para o restante da cadeia da reciclagem, além da modernização de modelos de Parceria Público-Privada, que permitem investimentos em concessões de Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos nos municípios, entre outros aspectos.
Projetos de Lei com essa visão integrada da economia circular são, por tanto, muito bem-vindos, pois trazem segurança jurídica aos investimentos e ajudam a organizar uma nova política de industrialização dentro da dinâmica da nova economia, como Europa e China estão fazendo. De maneira geral, essa é uma bandeira que a indústria brasileira já vem levantando, e continuaremos a reforçar esse apoio mútuo, impulsionando uma política de competitividade.
Por todas estas razões, não podemos perder a oportunidade de aprofundar o debate de maneira abrangente, no sentido do estabelecimento de um marco legal da economia circular para o país, só assim poderemos avançar com consistência neste tema.
*Paulo Teixeira é Diretor Superintendente da ABIPLAST (Associação Brasileira da Indústria do Plástico)